Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva), cantador do sertão nordestino, provindo de um meio muito modesto, encontrou na literatura popular um meio de imortalizar a vida do sertanejo, utilizando-se nos seus poemas de temáticas sociais tais como: desigualdade social, reforma agrária, ética, fé e religiosidade, o sofrimento e a resistência do sertanejo, o êxodo rural, dentre outras.
Com uma expressividade oral única, sob uma aparente ingenuidade, Patativa conseguiu, em seus poemas, mexer com o sentimentalismo dos leitores, expressando uma profunda experiência da vida quotidiana. O que toca o leitor não é a linguagem de caráter popular “de quem não sabe”, mas o sofrimento de saber o que é ter fome ou dor, tristeza ou felicidade, mágoa ou prazer. Essa dicotomia entre o bem e o mal é restituída no contexto sertanejo da obra patativiana, que testemunha um modo de vida, reivindica valores próprios e elabora a identidade verdadeira, autêntica e legítima do sertão.
Pode-se analisar algumas dessas ocorrências no poema “A triste partida”, composto e musicado por Patativa e cantado por Luís Gonzaga. A música, entrelaçada com a poesia popular é a representação mais fiel daquilo que o nordestino retirante sente quando é expulso do seu rincão pela seca. Só mesmo quem viveu e vive essa triste experiência até os dias de hoje é quem pode falar sobre a mesma, com profundo conhecimento de causa. A letra fala da saga de uma família que, depois de perder todas as crenças, troca a seca do sertão por São Paulo “para viver ou morrer”, mas com uma certeza: de um dia voltar. O poema também aborda em suas entrelinhas a velha política coronelista que nunca tentou resolver os problemas da seca, o inchaço cada vez mais das grandes capitais pelos migrantes em "busca de uma vida melhor"; no final são marginalizados nos grandes centros urbanos, engolidos pela modernidade que passa distante da periferia. Não se trata de um problema apenas do Ceará ou do Nordeste, mas diz respeito a toda a população brasileira que sofre com a longa estiagem nos longínquos sertões deste torrão natal, mas que apesar de apresentar tantas dificuldades, para os verdadeiros filhos do sertão não há outro lugar igual.
A canção se tornou um marco da música popular brasileira pelas muitas ousadias de sua gravação. Como, por exemplo, conter 19 estrofes, cantadas no decorrer de oito minutos – quando as canções nunca passavam de três minutos e só eram gravadas num único canal, o que significava gravar todos os instrumentos e vozes ao mesmo tempo, como se fosse ao vivo.
Atualmente, Patativa e sua obra são conhecidos nacional e internacionalmente, sendo produto de várias pesquisas lingüísticas e literárias, como personagem-chave do Panteão Nordestino.
O que faz a força e o sabor da poesia de Patativa do Assaré é, sem dúvida, este vínculo indestrutível entre o poeta, o sertão e o público. O canto só pode nascer da repetição do quotidiano, com seu labor, suas alegrias e sofrimentos.
Patativa do Assaré foi (é) um poeta popular que, mesmo se no início cantou o sertão de forma essencialmente nostálgica e lírica, tomou consciência das possibilidades de mudança e do impacto que podia ter a sua voz. Embora sendo recebido pelos responsáveis políticos e honrado por sua obra, ele não cessou de lhes recordar a realidade de onde ele extraiu a sua principal fonte de inspiração. Uma de suas maiores preocupações era um futuro melhor para as gerações que virão. Este objetivo não pode ser alcançado sem passar por uma melhor educação e Patativa do Assaré via no livro o seu auxiliar indispensável: “É por meio da leitura Que poderá a criatura na vida desenvolver, o livro é companheiro mais fiel e verdadeiro que nos ajuda a vencer”(Ao meu afilhado Cainã).
Pesquisadores e universitários têm lamentado, há alguns anos, o fim da literatura de cordel, avaliando que este modo de transmissão de conhecimentos não resistirá mais diante dos novos meios de comunicação. Talvez fosse preciso formular diferentemente o problema diante do lugar ocupado por Patativa do Assaré: herdeiro de uma forte tradição logrou transformar seu papel e sua mensagem.
“Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul”
Feliz e instigante observação "O que toca o leitor não é a linguagem de caráter popular “de quem não sabe”, mas o sofrimento de saber o que é ter fome ou dor, tristeza ou felicidade, mágoa ou prazer" . Patativa foi este misto, esta dualidade na representação de sua obra, diga-se de passagem, despretensiosa, porém aguçada ao extremo. Valeu pelo texto , professor Lucínio. Recomendo demais.
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