Barthes
(1970) em “Escrever a leitura” tenta transmitir através da escrita a
experiência que a leitura pode proporcionar quando o leitor procura captar a
composição do autor. Trata-se de um êxtase em que numa leitura são suscitadas
diversas formas de leituras: inquietantes, reflexivas, associativas, que
traduzem certas excitações no mundo das ideias do leitor. Leitura que toma
forma individual, de uma crítica sem censura, de partículas microscópicas
buscando ser decifradas, de ideias telescópicas que são interpretadas a partir
de características psicológicas das personagens e da sociologia do enredo. Uma
leitura que se decompõe e se articula entre o escrito e o imaginário, entre o
óbvio e o inexplicável, entre o latente e o desvelado, entre a razão e a emoção.
Seria
o autor demasiadamente proprietário eterno de sua obra? Seria o leitor simples
usufrutário do texto? Existe um sentido certo para um texto que circula, que se
reinventa nas leituras de vários leitores, nas verdades e crenças de cada
indivíduo, na moral crítica do sentido correto, verdadeiro? Ou existe o que o
autor escreveu e o que o leitor entendeu? Até que ponto a lógica da leitura é
diferente das regras da composição? A composição canaliza; a leitura, pelo
contrário, dispersa, dissemina, associa outras ideias, outras imagens, outras
significações. O texto, apenas o texto não existe sem reconstituição.
Toda
leitura deriva de formas transindividuais, em que se misturam associações,
letras, códigos, línguas, estereótipos, imaginações. São regras definidas não
pelo autor, mas pelo imenso espaço cultural da pessoa do leitor que propõe
sistemas de leituras interpretativas, em que não há uma verdade objetiva ou
subjetiva da leitura, mas uma verdade lúdica; um jogo que dá trabalho para
compreender os signos do texto, de todas as linguagens que o atravessam e que
formam as profundezas das frases.
A
leitura experienciada imprime certa postura ao texto, torna-o vivo, uma obra
única, uma invenção que é proporcionalmente analisada e descrita pelo autor e
pelo leitor que traçam uma certa liberdade para construírem e reconstruírem o
texto como algo significativo.
Assim
como a leitura, Larrosa (2002) em “Notas sobre experiência e o saber da
experiência” nos diz que a educação precisa ser pensada a partir da
experiência/sentido. Já que as palavras produzem sentido, criam realidades,
elas também determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos,
mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou
inteligência, mas a partir de nossas palavras. Por isso, atividades como
considerar as palavras, criticar as palavras, inventar palavras, jogar com as
palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar palavras, não são
atividades ocas ou vazias, não são mero palavratório. Quando fazemos coisas com
as palavras, damos sentido ao que somos e ao que nos acontece. Em educação ou
em qualquer outro lugar a práxis reflexiva ou experiência dotada de sentido, só
tem significado se transcender as palavras.
Partindo
dessa perspectiva, Larrosa (2002) chama atenção para a palavra experiência por
nós vivenciada como algo que nos toca. Ele ressalta que a educação está com
muito excesso de informação e pouca experiência, ou seja, o sujeito da informação
sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais preocupa é
não ter informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, o que
torna a experiência impossível. Nesse contexto, a experiência é cada vez mais
rara por excesso de opinião. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando
sobre qualquer coisa que nos sentimos informados, muitas vezes sem ter lido,
compreendido ou interpretado as informações, fabricamos opiniões a todo
momento. A educação tem contribuído para isso quando os professores cada vez
mais trabalham com comprovações de informações e pesquisas de opinião. Eles
perguntam aos alunos o que você sabe, diga-me com que informação conta e
exponha; esse dispositivo de saber não determina a aprendizagem, que para ser
significativa precisa priorizar a experiência.
A
experiência, assim como na leitura, na educação também precisa proporcionar a
possibilidade de que algo aconteça ou toque os alunos: não no sentido de fazer,
mas no sentido de refletir, de criticar, de formar ou de transformar. Somente o
sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação. O
conhecimento não é uma aprendizagem na prova e pela prova, mas deve ser uma
experiência de transformação para a vida.
A
leitura é capaz de promover essa experiência, no entanto com o imediatismo
contemporâneo, faz-se urgentemente necessário a educação buscar propiciar um
reencontro com a leitura que habita dentro de nós, que está silenciada pelos
afazeres, pela tecnologia e pelo cansaço.
Ipiranga
(2019) nos diz que apenas a formação do professor, que é em si o meio e o fim,
não significa a transformação da educação para uma aprendizagem significativa e
transformadora, mas por meio de experiências constantes e renovadoras. Assim
sendo, uma das experiências deve ser a de leitura, indispensável ao professor.
O professor só pode mediar uma boa leitura com seus alunos se estiver saciado,
pleno, alimentado, sustentado, firme e edificado pelas boas leituras. No
entanto, sem essa experienciação, abrimos portas para mensagens pobres, que
ocupam o lugar do bem dizer.
Ipiranga
(2019) ainda chama atenção que a grande mediação para se fazer na escola deve
ser a de PRAZER E COMPROMISSO para com a leitura. Para tanto, combinar a
vivência plena do texto e a responsabilidade da leitura elaborada, certamente,
é o único meio possível para se conseguir obter êxito nesse propósito.
Dessa
forma, o professor precisa lidar com fruição e reflexão para que seu processo
de mediação leve efetivamente a uma educação leitora. Ipiranga (2019) sugere a
metodologia de sequências de Cosson para que o trabalho com motivação leitora
se torne mais eficaz, já que através das sequências é possível trabalhar
diversas contextualizações, saindo do automatismo, da repetição, da divisão
burocrática e da mera informação, adentrando assim um campo experimental para
aprofundar o pensamento.
Enfim,
nesse mundo composto por palavras em que o texto se materializa através das
diversas possibilidades de leituras, o exercício da docência para a transformação
da educação necessita está alicerçado nas experiências leitoras para que se
torne possível a mediação e formação de leitores que encontrem no saber o sabor
mais refinado para a transformação do seu próprio conhecimento.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BARTHES, Roland. Escrever a leitura. In: O rumor da
língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Linguística,
2002, jan/ fev/ mar/ abr, nº 19. Tradução de João Wanderley Geraldi.
IPIRANGA, Sarah Diva. Formação de Professores Leitores e
Mediadores de Leitura. Fascículo 2. Fortaleza-CE: Fundação Demócrito Rocha,
2019.
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