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Discurso de professor homenageado da Turma de Graduação em Letras - FVJ - Lagoa do Mato, Itatira CE, em 26/09/2015

Inicialmente, quero saudar a mesa em nome da nossa coordenadora local Elizabete Ribeiro, que através do seu esforço, vem trabalhando para ampliar os horizontes do conhecimento aqui em Lagoa do Mato.
Caros alunos formandos, pais, colegas professores, agentes universitários, comunidade aqui presente
É uma grande honra e responsabilidade para mim, representando aqui também todos os facilitadores que ministraram aula na turma de Letras, poder fazer parte desse momento tão especial quando vocês, caros formandos, concluem mais uma etapa estudantil em vossas vidas. O professor universitário está numa posição de provocar o desconforto intelectual necessário ao desenvolvimento do conhecimento. Se pude fazer isso e ainda estar aqui discursando foi devido a uma grande generosidade de vocês.
As letras tem esse poder perturbador porque conseguem agregar à arte de ler e interpretar em cada época, de acordo com as necessidades humanas, o desafio de confrontar com o mundo outros sujeitos, várias histórias, o discurso em poesia ou em prosa, a crítica real ou ilusória do homem livre de nosso tempo.
Podemos dizer que vocês são aqueles que têm “olhos e ouvidos diferentes”, que aprenderam “a olhar a cara da palavra” e, principalmente, a “identificar o referente da coisa nomeada”. São leitores, estudiosos da linguagem, profissionais que fazem da escrita e da fala seu instrumento de trabalho. São, ainda, questionadores, pesquisadores, na medida em que procuram satisfazer a insaciável sede de saber. Acrescentemos a tudo isso a missão ímpar de educadores - ensinar - que, por consequência, nos torna modificadores da sociedade. Como? Na busca persistente de meios para aumentar e aprimorar as perspectivas de estudo de nossos alunos, para que estes possam tanto ampliar seus horizontes de leitura, como torná-la mais efetiva: leitura que envolve a leitura da vida e de tudo o que a compõe, para que ela possa ser melhor apreendida e vivenciada.
Essa postura, com certeza, vai em direção a uma visão holística do mundo: ao mesmo tempo em que o leitor focaliza um aspecto específico, não deixa de perceber o todo que o rodeia. No entanto, alcançar essa maneira de ler ou olhar é processo gradativo, que exige ajustes constantes e que só será possível através de esforços persistentes e conscientes por parte daqueles que assumem o compromisso de ensinar a olhar.
Parece muito não é mesmo? Mas lembrem das palavras de Mário Quintana “Nada nasce do ar”. O que vocês são hoje é, em grande parte, fruto do caminho percorrido durante a graduação. A turma de vocês, mostrou uma heterogeneidade que se completou nas diferenças. Alguns se destacaram por serem apreciadores das línguas, das culturas e outros, por serem apaixonados por arte, filosofia e literatura. Alguns como questionadores e motivadores; outros, pela capacidade de expressão, serenidade e diversão, também os notáveis pela organização e pontualidade. Houve aqueles que foram verdadeiros exemplos de dedicação, persistência e liderança. Apesar das diferenças, todos esses personagens protagonizaram e colaboraram para a construção de uma história de desafios, de sonhos, de esperança e de alegrias. Trago ainda na memória amigos que iniciaram essa caminhada com vocês, mas que por algum motivo, não tiveram a oportunidade de concluir o curso. Tenho certeza que durante essa formação vocês abandonaram o olhar ingênuo e passaram a perceber que uma simples sentença como “A porta está aberta” pode abrir as mais diferentes portas do sentido. 
O mestre Paulo Freire lembra que “Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador. A Gente se faz educador, a gente se forma como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática”. E vocês são e serão frutos desse permanente reinventar, reaprender, reconstruir, refletir cotidianamente, porque é na prática que nos lapidamos.
Diante da responsabilidade de nossa profissão, estejam convictos, de que todas as experiências podem ser proveitosas para enriquecer o aprendizado. Certamente, servem como exemplos de ética, presteza, solicitude, compreensão e competência profissional. Rubem Alves também reflete que: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra”. Sendo assim, encantem os discípulos de vocês com as letras, com o prazer pela leitura, com a compreensão e interpretação das realidades que os cercam, com a vontade e esperança de transformar o mundo. Parafraseando Cora Coralina, deve haver mais esperança nos seus passos, do que tristeza nos seus ombros.
Lembrem-se que este não é o fim da caminhada, mas apenas o início. Na profissão que ora abraçam e na vida inteira, serão sempre desafiados pela palavra dos outros. Uns os desafiarão a superar limites e a crescer; outros tentarão mantê-los passivos, submissos e sem vida. A todo momento, terão que decidir a aceitar ou não o combate com a palavra, pois, lembrando Drummond, sempre haverá uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho haverá uma pedra. Um médico mal formado e que não estuda mais depois de formado, geralmente mata um paciente de uma só vez; um professor que não estuda mais depois de formado também mata. A diferença é que a incompetência de um mata de uma só vez e a do outro mata à prestação, de pouquinho em pouquinho, desencorajando o aluno, ensinando errado, matando seu tempo precioso de juventude. Portanto, é preciso topar o combate, definir-se na profissão com honestidade e continuar estudando mais, pois as coisas mudam e o mercado de trabalho não se contenta mais só com um curso de graduação. É preciso pensar na especialização, no mestrado, no doutorado, pois só a educação torna um povo fácil de governar, difícil de dominar e impossível de escravizar, como falava freire.
Aos amigos do Curso de Pedagogia, aos quais estendo meu carinho, reconhecimento e admiração, são vocês, professores de outras áreas da licenciatura, todos educadores. O curso de Pedagogia representa todas as licenciaturas, é imprescindível, é o que dá o norte à formação de todos nós. A educação é a chave para uma sociedade melhor. Uma educação emancipadora é a garantia de um caminho possível para uma sociedade mais justa, melhor desenvolvida e mais solidária. E a Pedagogia tem se empenhado com responsabilidade e compromisso nessa missão. Muito confia a nossa sociedade em vocês, nobres pedagogos que aqui se formam.
Para finalizar, ressalto que todos vocês estão de posse de conhecimentos teóricos e práticos. Empreguem esses saberes da melhor maneira possível, livremente, corretamente, em favor do próximo, em benefício da coletividade, em proveito do povo e da comunidade a qual pertencem. E é na poesia, pois, que busco a frase final, do clássico Ricardo Reis, um dos pseudônimos de Fernando Pessoa:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha porque alta vive”.

Honrem seus conhecimentos e sejam felizes!


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